Logo na introdução o Papa Francisco lembra que « Deus criou os seres humanos iguais nos direitos, deveres e na dignidade, e chamou-os a conviver entre si como irmãos » .Por isso o ponto de partida e a ideia chave do pensamento do Papa Francisco está na fraternidade e na amizade social. É pelo diálogo, pelo respeito dos direitos humanos, pelo consenso sem esquecer os mais pobres que se pode construir uma sociedade mais justa e equilibrada. O pensamento do Papa Francisco é desenvolvido ao longo de sete capítulos dos quais irei fazer uma síntese dos mais importantes de cada um.
1-As sombras de um mundo fechado. Com o fim de duas guerras mundiais criou-se a expectativa que era possível caminhar para a paz. Os pais fundadores da União Europeia avançaram para uma Europa Unida capaz de promover a paz e a cooperação entre todos os povos do continente. Mas começa a haver sinais de regressão com o aparecimento de partidos nacionalistas fechados. A sociedade cada vez mais globalizada torna-nos vizinhos mas não somos irmãos. Com a polarização política em muitos países nega-se a outros o direito de existir e de pensar. O objecto de descarte não são apenas os alimentos mas os próprios seres humanos. Os direitos humanos não são suficientemente universais. Enquanto uma parte da Humanidade vive na opulência, outra vê a própria dignidade não reconhecida, desprezada ou espezinhada e os seus direitos fundamentais ignorados ou violados. Há também um enfraquecimento dos valores espirituais e do sentido de responsabilidade. Relativamente à pandemia e a outros flagelos o Papa recorda que ninguém se salva sozinho e que só é possível salvarmo-nos juntos. Revela ainda a falta de dignidade humana nas fronteiras sobretudo em regimes populistas que impedem a todo o custo a entrada de imigrantes que fogem da guerra ´de perseguições e de catástrofes naturais.
2-Um estranho no caminho . Ao citar a parábola do Bom Samaritano o Papa quer com isto dizer que também hoje se olha com indiferença e por vezes desprezo para as pessoas carenciadas a precisar de ajuda ou de apoio : « aqueles que cuidam do sofrimento e aqueles que passam ao largo; aqueles que se debruçam sobre o caído e o reconhecem necessitado de ajuda e aqueles que olham distraídos e aceleram o passo. A inclusão ou exclusão da pessoa que sofre na margem da estrada define todos os projectos económicos, políticos, sociais e religiosos. Dia a dia enfrentamos a opção de sermos bons samaritanos ou viajantes indiferentes que passam ao largo. Todos temos algo de ferido, de salteador, daqueles que passam ao largo e do bom samaritano.
3-Pensar e gerar um Mundo Aberto. Ninguém amadurece nem alcança a sua plenitude isolando-se O amor exige progressiva capacidade de acolher o outro. As sociedades têm que ser abertas e que integrem todos. Só uma sociedade aberta e fraterna é capaz de preocupar-se por garantir de modo eficiente e estável que todos sejam acompanhados no percurso da vida não apenas para assegurar as suas necessidades básicas mas para que possam dar o melhor de si mesmos. « O mundo existe para todos, porque todos nós, seres humanos, nascemos nesta Terra com a mesma dignidade. Temos o dever de garantir que cada pessoa viva com dignidade e disponha de adequadas oportunidades para o seu desenvolvimento integrado. É possível desejar um Planeta que garanta terra , teto e trabalho para todos. Este é o verdadeiro caminho da Paz e não a estratégia insensata e míope de semear medo e desconfiança perante ameaças externas. Com efeito a paz real e duradoura é possível só a partir de uma ética global de solidariedade e cooperação ao serviço de um futuro modelado pela interdependência e a corresponsabilidade da família humana inteira. »
4-Um Coração Aberto ao Mundo Inteiro. O ideal seria o migrante não ter que emigrar e criar possibilidades de ele viver e crescer com dignidade nos países de origem. Quando não for possível há que respeitar o direito que todo o ser humano de encontrar um lugar onde possa satisfazer as suas necessidades básicas e da família e realizar-se plenamente como pessoa. Os nossos esforços a favor das pessoas migrantes pode resumir-se em quatro verbos: acolher, proteger, promover, integrar.. Para que isso aconteça é necessário que haja um ordenamento jurídico, político e económico mundial que « incremente e guie a colaboração internacional para o desenvolvimento solidário de todos os povos ». Sabemos que a estas medidas se opõem os nacionalismos fechados. Para eles o migrante é visto como um usurpador que nada oferece. Mas só poderá ter futuro, como diz o Papa, uma cultura sociopolítica que inclua o acolhimento gratuito. Quanto à dicotomia globalismo e isolacionismo o Papa diz « que a sociedade mundial não é o resultado da soma de vários países, mas sim a própria comunhão que existe entre eles, a mútua inclusão que precede o aparecimento de todo o grupo particular. Hoje nenhum Estado nacional isolado é capaz de garantir o bem comum da própria população.
5-A Política Melhor. Para tornar possível o desenvolvimento de uma comunidade mundial capaz de realizar a fraternidade é necessária a política melhor, a política colocada ao serviço do bem comum. Mas esta política não é certamente a dos partidos populistas nem do liberalismo económico. A política populista está ao serviço do seu projecto pessoal e da sua permanência no poder. Os liberalismos estão ao serviço dos interesses económicos dos poderosos. O mercado só por si não resolve tudo. A conhecida teoria do «derrame» ou do «gotejamento» ou seja o aumento crescimento económico chega a um ponto em que dele beneficiam também os pobres. Ora esta teoria é falsa. Como diz o Papa,a fragilidade dos sistemas mundiais perante a pandemia evidenciou que nem tudo se resolve com a liberdade de mercado. A crise financeira de 2008 provou a fragilidade do liberalismo económico. A política melhor só é possível através da criação de organizações mundiais mais eficazes dotadas de autoridade para assegurar o bem comum mundial, a erradicação da fome e da miséria e a justa defesa dos direitos humanos fundamentais. É preciso também uma reforma quer da ONU quer da arquitectura económica e financeira mundial. Uma boa política é aquela que avança para uma ordem social e política cuja alma seja a caridade.
6-Diálogo e Amizade Social. Para nos encontrar e ajudar mutuamente precisamos de dialogar. Entre a indiferença egoísta e o protesto violento há uma opção sempre possível: o diálogo. Um pacto realista e inclusivo deve ser também um pacto cultural, que respeite e assuma as diversas visões do mundo, as culturas e os estilos da vida que coexistem na sociedade. Um pacto cultural tem de respeitar a diversidade oferecendo-lhe caminhos de promoção e integração social. Este facto pacto implica também aceitar a possibilidade de ceder algo para o bem comum. Ninguém será capaz de possuir toda a verdade nem satisfazer a totalidade dos seus desejos, porque tal pretensão levaria a querer destruir o outro, negando-lhe os seus direitos.
7-Percurso de um Novo Encontro. Em muitas partes do Mundo fazem falta percursos de paz que levem a cicatrizar as feridas. Há necessidade de artesãos da paz prontos a gerar com criatividade e ousadia, processos de cura e de um novo encontro. Os bispos da Coreia do Sul destacaram que uma verdadeira paz « só se pode alcançar quando lutamos pela justiça ou através do diálogo buscando a reconciliação e o desenvolvimento mútuo » . A paz « não é a ausência de guerra, mas o empenho incansável de reconhecer, garantir e reconstruir concretamente a dignidade, tantas vezes esquecida ou ignorada. A falta de desenvolvimento humano integral impede que se gere a paz. Quando a sociedade- local, nacional ou mundial- abandona na periferia uma parte de si mesma, não há programas políticos nem forças da ordem ou serviços secretos que possam garantir indefinidamente a tranquilidade. A guerra e a pena de morte também não são soluções para situações extremas. A partir do desenvolvimento de armas nucleares, químicas e biológicas, conferiu-se à guerra um poder destrutivo, incontrolável que atinge muitos civis inocentes. A guerra não é uma solução pois os riscos são sempre superiores à hipotética utilidade que se lhe atribua. Toda a guerra deixa o mundo pior do que se encontrava. Quanto à pena de morte a Igreja desde os primeiros séculos sempre se manifestou claramente contra. Os argumentos contrários à pena de morte são os seguintes: probabilidades de erro judicial, e também o uso que dela fazem os regimes totalitários e ditatoriais que a utilizam como instrumento de supressão de dissidência política ou perseguição das minorias religiosas e culturais. A rejeição firme da pena de morte mostra até que ponto é possível reconhecer a dignidade inalienável de todo o ser humano.
8-As Religiões ao Serviço da Fraternidade no Mundo. AS religiões oferecem uma preciosa contribuição para a construção da fraternidade e a defesa da justiça na sociedade. Entre as causas mais importantes da crise do mundo moderno são a consciência humana a anestesiada e o afastamento de valores religiosos e também o predomínio do individualismo e das filosofias materialistas que divinizam o homem e colocam os valores humanos e materiais no lugar dos princípios supremos e transcendentes. Os ministros da religião não devem fazer política partidária, própria dos leigos, mas eles não podem renunciar à dimensão política da existência o que implica atenção constante ao bem comum e a preocupação pelo desenvolvimento humano integral. Se a música do Evangelho cessar de se repercutir nas nossas casas, nas nossas praças, nos postos de trabalho, na política e na economia, teremos extinguido a melodia que nos desafiava a lutar pela dignidade do homem e da mulher. Existe um caminho humano fundamental que não deve ser esquecido no caminho da fraternidade e da paz: é a liberdade religiosa para crentes de todas as religiões. O culto sincero e humilde a Deus, leva não à discriminação, ao ódio e à violência, mas ao respeito pela sacralidade da vida, ao respeito pela dignidade e liberdade dos outros e a m solícito compromisso em prol do bem-estar de todos. Num encontro que o Papa teve o Grande Imã Ahmad Al- Tayyab , declarou firmemente que as religiões nunca incitam à guerra e nunca solicitam sentimentos de ódio, hostilidade e extremismo. Estas calamidades são fruto de desvio dos ensinamentos religiosos e do uso político das religiões. Com efeito, Deus o Todo Poderoso, não precisa ser defendido por ninguém e não quer que o seu nome seja usado para aterrorizar as pessoas.
Para terminar direi que o Papa Francisco faz uma análise profunda, do ponto de vista político, económico e sociológico, de todos os aspectos relacionados com a Paz. Para se conseguir a paz é necessária a colaboração, o diálogo e o consenso entre Estados e instituições. É preciso também reconhecer que todos os homens são iguais em direitos e que tem de se respeitar a dignidade humana. Tudo isto tem na sua base a fraternidade e a amizade. Pela força, pela violência ou pela guerra nada se resolve e caminharíamos para o caos.
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