Realizou-se recentemente em Trancoso um colóquio que teve como tema - “Profetismo: de Bandarra a Vieira”. O acontecimento teve lugar num dia de trabalho, a horas de trabalho e por isso fiquei com a ideia que o mesmo se destinava a um círculo restrito de pessoas. Por motivo de afazeres de ordem pessoal só pude presenciar a segunda parte do programa. No debate final foram ditas algumas curiosidades que passo a referir:
-A batalha de Alcácer Quibir talvez tenha sido perdida intencionalmente pelos portugueses.
-D.Sebastião além de misógino era fisicamente defeituoso.
-Não morreu
Espero que na Acta final haja coisas mais interessantes a referir.
Como os assuntos históricos me interessam resolvi fazer o meu trabalho de casa e redigi um texto que passo a expor.
Profetismo Messiânico:
origens e evolução
O século XVI é um período privilegiado para os profetas messiânico. Além do Bandarra, o mais conhecido, surgem ainda outros nomes dos quais destaco os seguintes:Isaacc Abranavel,financeiro hebreu que em 1503 anunciou a vinda do Salvador e Luís Dias, de Setúbal que se fez passar por Messias e acabou no fogo, condenado pela Inquisição.
Gonçalo Anes, por alcunha o Bandarra, foi sem dúvida o mais importante e aquele que influenciou de forma duradoura e cíclica o pensamento português ao longo de vários séculos. Os elementos biográficos do Bandarra são escassos. Sabe-se que nasceu em Trancoso em princípios do século XVI e que deve ter morrido depois de 1556 pois consta que dedicou as Trovas ao Bispo da Guarda D.João de Portugal e este só foi provido na diocese naquela data. Gonçalo Anes encontra-se sepultado na igreja de São Pedro em Trancoso em sepulcro mandado levantar por D. Álvares de Abranches em 1641. Sapateiro de profissão, sabia ler e escrever . Tinha boa memória pois recitava de cor muitos versículos da Bíblia. Aproveitando a facilidade em fazer versos e os conhecimentos bíblicos compôs umas Trovas de sentido profético e messiânico que foram tendo sucessivas edições ao longo dos séculos. A primeira edição impressa ( Paráfrase e concordância de algumas profecias de Bandarra ) data de 1603 e deve-se a D.João de Castro. Acusado pela Inquisição de “ ser amigo de novidades e com elas causar alvoroço
Perante esta situação degradante, vaticinou que havia de vir um rei capaz de meter tudo na ordem e na justiça.: Este rei tem tal nobreza/ Qual eu nunca vi em rei:/Este guarda bem a lei/Da justiça e da grandeza. Ora, esse rei era para a comunidade judaica o Messias que eles esperavam e iria restaurar o Reino de Israel . A alusão às profecias de Daniel e de Jeremias mais inculca essa ideia.
As profecias do Bandarra têm assim na sua origem um carácter messiânico. O facto de nelas se aludir a um Rei Encoberto são a pedra de toque para se converterem na bíblia do Sebastianismo. O mito do Rei Encoberto anda associado também à alegoria do Leão ( Rei da cristandade ) e do Porco ( mouro,infiel ). Segundo Lúcio de Azevedo( 1) que o Doutor António Machado Pires cita no seu livro “ D. Sebastião e o Encoberto “ ( 2) , a” Lenda do Encoberto que era anterior ao Bandarra, teria passado de Espanha para Portugal. A monarquia de Carlos V não agradava ao povo, previa-se a sua ruína e falava-se de um chefe novo ( que seria em princípio português ) “. As Trovas têm assim como fonte inspiradora mitos, lendas e profecias peninsulares não sendo por este facto muito originais.
Quem foi afinal Bandarra ? Lúcio de Azevedo no seu livro “ Evolução do Sebastianismo “ questiona-se e diz o seguinte: “ Era um místico convencido, um enganador por gosto, um burlão que vivia dos seus prognósticos? Provavelmente de tudo um pouco. Claro que não se penetra o sentido verdadeiro das Trovas. E mais à frente acrescenta : “ Portugal esperava o salvador prometido, para uns o filho de David, anunciando a Israel, para outros o rei Desejado. E neste sentido foi o Bandarra verdadeiramente profeta, não porque acertasse nos prognósticos, mas pela acção intensa que no seu povo exerceu. “
Após o desastre de Alcácer Quibir renasce o Encoberto do Bandarra. Os sebastianistas ortodoxos pensam que D. Sebastião não morreu e acreditam no seu regresso. Surgem então várias pessoas que se fazem passar por D.Sebastião : O Rei de Penamacor em 1584 ( preso e condenado às galés) ; o Rei da Ericeira em em 1585 ( preso e enforcado ) ; o Pasteleiro de Madrigal em 1594 ( torturado ) ; e o calabrês Marco Túllio Catizone em 1598-1602 ( preso em Florença e decapitado
Com a restauração de Portugal aparece outra seita sebastianista para a quem o Encoberto é afinal D.João IV. A imagem do Bandarra é exposta na Sé de Lisboa como se fosse um santo. Na estrofe XCIX das Trovas podemos ler o seguinte:
Já se passam os quarenta
Que se aumenta
Por um doutor já passado.
O rei novo é acordado
Este rei novo acordado de que fala Bandarra é precisamente para os sebastianistas bragantinos D.João IV.
O Padre António Vieira pensa o mesmo mas vai mais longe. No escrito Esperanças de Portugal e na História do Futuro , Vieira acredita que D.João IV irá ressuscitar e reunir a cristandade num grande império- O Quinto Império. Este império viria na sequência dos quatro anteriores: Império Assírio-Babilónico, Império Persa, Império Grego e Império Romano. É talvez no verso “ O rei novo é acordado “ que Vieira assenta a sua tese de que D. João IV não morreu e irá ressuscitar. Por outro lado a união de todos os cristão que Bandarra sonha poderá ter servido de base à teoria do Quinto Império de Vieira.
Todos terão um amor,
Gentios como pagãos.
Os judeus serão cristãos,
Sem jamais haver error.
Servirão um só Senhor
Jesus Cristo que nomeio,
Todos crerão que já veio
O Ungido Salvador.
O mito sebastianista ou seja a crença num Messias ,Salvador irá prolongar-se ainda nos séculos XVIII e XIX: primeiro com a repressão pombalina e depois com as Invasões Francesas. O sebastianismo vai ainda ser tema literário de muitos dos nossos escritores. Passo a enumerar alguns deles:
-António Nobre ( o Desejado )
-Jaime Cortesão ( Sinfonia da Tarde )
-Teixeira de Pascoais ( Oração Sebastianista)
-Afonso Lopes Vieira ( O Encoberto )
-Fernando Pessoa ( Mensagem )
-Miguel Torga ( D.Sebastião. Poemas Ibéricos )
-Almeida Garrett ( Frei Luís de Sousa –Teatro)
Em momentos de crise na nossa História espera-se sempre por um D.Sebastião, um Messias que nos salve. Como remate final nada melhor do que citar novamente Lúcio de Azevedo: “ Nascido da dor, nutrindo-se da esperança, ele é na história o que é na poesia a saudade, uma feição inseparável da alma portuguesa “.
1-Lúcio de Azevedo, A evolução do Sebastianismo- Temas e documentos Editorial Presença.
2-António Machado Pires,D. Sebastião e o Encoberto- Fundação Calouste Gulbenkian
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