1-O Estado português prestou a devida homenagem a Saramago. O corpo foi transportado de avião para Portugal com todas as honras e esteve durante um dia no salão nobre da Câmara Municipal de Lisboa por onde passaram as mais altas figuras do Estado e pessoas de todos os quadrantes políticos. Foi também decretado dois dias de luto nacional o que realmente atesta a importância que se deu ao acontecimento.
Ninguém contesta a qualidade da obra literária de José Saramago que até foi o primeiro escritor português a receber um prémio Nobel . Mas a atribuição de um prémio desta natureza não dá ao que recebe este galardão uma aura de génio ou de divino. Não vou tão longe como Vasco Pulido Valente que no Jornal “ Público “ diz que uma longa lista de mediocridades o receberam. A verdade é que o critério de um júri é sempre subjectivo e muitas vezes ficam de fora escritores de grande qualidade como Miguel Torga ou Jorge Amado. De José Saramago li apenas o “ Memorial do Convento “ e deu para concluir que é um escritor talentoso, criativo e com grande imaginação. Pessoalmente prefiro os grandes clássicos portugueses ou universais que respeitam as regras de pontuação. Incluo neste número, por exemplo , Eça de Queiroz , DostoievsKy, Tolstoy , Torga e Gabriel Garcia Marquez. Mas gostos não se discutem e se há tantas pessoas em Portugal ou no estrangeiro que leram Saramago é porque os seu livros agradam.
2-Se Saramago tem valor como escritor o mesmo não posso dizer como homem. Nos tempos do PREC e enquanto assumiu as funções de adjunto na direcção do “ Diário de Notícias “ saneou vários jornalistas que certamente não eram da sua cor política . Um homem que se preocupou com a defesa dos direitos humanos neste caso não soube preservar a liberdade de expressão dos jornalistas.
Um outro aspecto negativo da sua personalidade foi a raiva e a agressividade com que atacou Deus, a Igreja e o cristianismo. Há muitos ateus que respeitam as crenças das outras pessoas e para quem Deus lhes passa ao lado, nem é assunto que os preocupa ou lhes faz perder tempo. Mas Saramago que era um ateu militante à boa maneira marxista procurou pela praxis ( acção ) desmistificar Deus e desacreditar a Religião . O seu cariz intelectual permitia-lhe ver os crentes como ignorantes, supersticiosos ,ou seja, pessoas que viviam na crendice e na alienação. Mas Saramago como ateu era também um crente. Possivelmente acreditava que o materialismo histórico através da luta de classes conduziria à vitória do proletariado e à realização do “ paraíso terrestre “ . Esta era,-penso que para alguns, poucos , ainda é - a utopia comunista. É claro que o comunismo tem subjacente alguns valores que o cristianismo não rejeita como a comunidade de vida e a partilha de bens. Mas esses princípios teriam que ser aceites por todos e não impostos à força desprezando as liberdades individuais.
Apesar da queda do Muro de Berlim e depois do comunismo se ter esboroado, Saramago continuou fiel à sua ideologia. Hoje o comunismo existe apenas onde é imposto à força e contra a vontade do povo. E se nos regimes neoliberais existe miséria e pobreza no totalitarismo comunista elas existem também. Só conciliando a economia de mercado com a intervenção do Estado se conseguem resultados positivos.
3- O furor anti-religioso de Saramago levou-o a servir-se da Bíblia para levantar casos polémicos , escândalos e acicatar o desejo de leitura dos seus livros. Nisto é muito parecido com o escritor Dawkins, o autor do Código Davinci. José Saramago em declarações que fez disse que a Bíblia “ é um manual de maus costumes “ Isto prova que o escritor ou estava de má fé ou era ignorante. A Bíblia não é um livro mas um conjunto de livros, de muitos géneros literários, alguns escritos há mais de mil anos e que têm de ser lidos no contexto histórico em que fora escritos. Por outro lado há textos muito lindos na Bíblia - Salmos, Eclesiastes , Evangelhos - que de forma alguma se encaixam na designação atrás referida. Quando uma pessoa que não tem formação hermenêutica como Saramago, se põe a interpretar a Bíblia só pode sair asneira. Além disso um escritor tinha obrigação de distinguir a ficção da realidade. Nem tudo o que está na Bíblia se pode interpretar à letra como também acontece nos seus livros.
Todos sabemos que a Igreja ao longo da sua história cometeu erros. Dos mais conhecidos poderíamos citar As Cruzadas e a Inquisição. A Igreja já assumiu e reconheceu esses erros. Só não compreendo por que é que Saramago não denunciou o genocídio cometido pelos seus camaradas comunistas na Rússia estalinista. Aqui foi a cegueira e a parcialidade que prevaleceu.
4-O Presidente da República, Cavaco Silva ,foi muito criticado por não ter ido ao funeral de Saramago. Se tivesse ido teria sido igualmente criticado. De qualquer forma é preciso não dissociar o homem Cavaco Silva do Presidente da República. Como homem foi insultado por Saramago que parece ter afirmado não ser capaz de lhe apertar a mão. É claro que a caridade cristã manda perdoar até aos nossos inimigos. Mas uma coisa é perdoar outra é dobrar a cerviz e prestar homenagem a quem nos trata mal. Acho natural o comportamento do Presidente da República e se eu estivesse no seu lugar procederia igualmente da mesma forma.
FRANCISCO MARTINS
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