1-Thomas More ( 1478-1535 ) nasceu em Londres e foi jurista, advogado e um orador brilhante. Sucedeu ao cardeal Wolsey como chanceler do reino. Viveu em pleno período do Renascimento e foi um grande humanista. Interessou-se pela política sendo incumbido de missões diplomáticas. Podemos conhecer o rosto de More através dos desenhos do pintor alemão Holbein que se tornou favorito da aristocracia inglesa. Sabemos ainda que foi amigo de Erasmo que lhe dedicou o livro “ Elogio da Loucura “
Quando Henrique VIII, por não ter um filho barão, resolveu divorciar-se de Catarina ( tia do imperador Carlos V ) para casar com Ana Bolena , desencadeou todo um processo que vai levar à cisão com o papado. O Parlamento acabou por aprovar o Acto de Supremacia e reconhecer Henrique VIII como chefe da Igreja de Inglaterra. Thomas More, cristão e católico convicto, não concordou com o Rei e demitiu-se de chanceler ,retirando-se da vida política. Mais tarde por instigação de Ana Bolena é preso e acabou por ser executado em 1535. Antes de morrer, as suas últimas palavras foram : “ morro como servidor do meu rei, mas primeiro que tudo como servidor de Deus . “ Em 1935 foi canonizado pela Igreja e é hoje venerado como santo.
2-A obra de referência de Thomas More é o livro “ UTOPIA “. A palavra utopia vem do grego ou-Topos , não-lugar, ou seja um lugar que não existe em lado nenhum ( inexistente ).
A personagem principal do livro é o navegador português Rafael Hitlodeu que dialoga com Thomas More sobre os problemas da sociedade do seu tempo e compara depois com o que viu na Ilha da Utopia. É nas aventuras que tem com o italiano Américo Vespúcio pelas Américas que ele descobriu essa ilha surpreendente.
Na primeira parte do livro Thomas More analisa em pormenor o ambiente político e social da sociedade inglesa criticando as ocupações dos príncipes que se preocupam mais com a guerra do que em governar com justiça e na paz ; não poupa “ os maus professores, sempre mais prontos a bater nos alunos do que em ensinar ( Utopia-ed.Europa –América pag. 27 ) ; aponta o dedo aos “ nobres que, não satisfeitos com a sua própria ociosidade, vivem preguiçosamente, como zângãos, do trabalho dos seus rendeiros, a quem esfolam até ao osso, fazendo-os pagar rendas elevadíssimas “ ( U-pag 29 ) ; ataca a prostituição e toda a espécie de venalidades e vícios ; critica os “ pregadores hábeis e sinuosos, que vendo os homens pouco dispostos a conformar os seus costumes à doutrina cristã, torcem e vergam o Evangelho, como se fora uma régua de chumbo, e moldam-no aos costumes dos homens, com o fim de, ao menos deste modo, terem um ponto comum. Não vejo qualquer resultado, excepto o de ter dado segurança e estabilidade ao próprio mal “ ( U- pag 55 ) .
Na segunda parte do livro Thomas More relata o que Rafael Hitlodeu viu na Ilha da Utopia. A capital é Amaurota, cidade fantasma que é banhada pelo rio Anidro ( rio sem água ) A cidade é rodeada por altas muralhas e as casas têm todas duas portas , uma para a rua e a outra para o jardim. O recheio das casas não pertence individualmente e ninguém e as pessoas mudam de casa de 10 em 10 anos tirando à sorte a que lhes cabe.
INSTITUIÇÕES LEIS E COSTUMES:
Cada grupo de 30 famílias elege 1 filarca ou sifogrante. Dez sifograntes elegem um profilarca ou traníboro . O conjunto de 200 traníboros formam o Senado.
As refeições são comuns. O almoço é breve e o jantar mais longo. Não existem tabernas, nem cervejarias , nem bordeis que favoreçam o vício e a libertinagem. Toda a Ilha é uma única família. Para os utopianos felicidade e virtude não são incompatíveis. Podem gozar-se os prazeres bons e honestos se houver a virtude de, pela razão, controlar os “ apetites e desprezos “ . A razão inspira “ amor e veneração pela majestade divina” e por outro lado incita a viver alegremente e sem tristeza. Os falsos prazeres são , por exemplo, os que resultam da vaidade, da avareza, dos jogos de azar e da caça.
Há ainda regras no que respeita ao casamento. As mulheres não podem casar-se antes dos 18 anos e os rapazes antes dos 22 . O matrimónio só é dissolvido pela morte.” Os que rompem os laços do casamento sâo castigados com a mais dura escravidão” . Caso o culpado reincida no crime de adultério o castigo é a morte . “ ( U- pag 108 )
As pessoas devem ser humildes e modestas no vestir. “ O príncipe não se distingue dos outros cidadãos por vestuário principesco “ ( U. pag 110 )
Os utopianos são pessoas amigas e pacíficas e por isso “ detestam e abominam a guerra como coisa brutal e selvagem. Não fazem nunca a guerra . “ ( U- pag 114 )
RELIGIÃO
Na Ilha da Utopia reina a tolerância religiosa. Ninguém é censurado ou criticado pela religião que professa “ Aqueles que não aceitaram a religião cristã não se opõem a ela nem maltratam os convertidos “ ( U.pag 126 ) São pessoas que acreditam na vida para além da morte e por isso “ choram os doentes e não os mortos . Desprezam a ociosidade e acham que a felicidade extraterrestre se alcança com trabalhos e serviços prestados uns aos outros “ ( U-pag129 )
Também a vida religiosa se processa em democracia. “ Os sacerdotes são escolhidos pelo povo, tal como os outros magistrados , em escrutínio secreto para evitar a intriga “ ( U-pag 131 ) E para que a igualdade religiosa seja perfeita “ os templos não são reservados a um só culto, mas a todas as crenças dos seus cidadãos, que, embora variadas, concorrem para o mesmo fim, a glorificação da Natureza divina “ ( U-pag 133 9 )
CONCLUSÃO:
Thomas More contrapõe à sociedade ociosa, egoísta e exploradora do seu tempo uma comunidade imaginária de bens e serviços onde não há propriedade privada nem dinheiro e onde todos se ajudam e se dão bem. Na Ilha da Utopia “ não há pobres ou mendigos. Embora ninguém possua coisa alguma, todos são ricos “ U- 137 )
Poderíamos classificar os utopistas de epicuristas por evitarem a dor e o sofrimento e procurarem a felicidade através dos prazeres que a natureza lhes proporciona, tanto ao corpo( sem abusos nem excessos ) como ao espírito ( contemplando a verdade e praticando a virtude ).
Thomas More admite o casamento dos padres e não condena em absoluto o divórcio. O adultério é no entanto considerado um crime a merecer punição severa
O substantivo utopista aplica-se ainda hoje para englobar um conjunto de valores e de princípios que caracterizam uma sociedade ideal, mas difícil de atingir.
FRANCISCO JOSÉ SANTIAGO MARTINS
1-Thomas Hobbes( 1588-1679 nasceu em Inglaterra e era filho de um pastor anglicano. Frequentou a Universidade de Oxford e foi preceptor de Lord William Cavendish. Em Inglaterra viveu um período de grande agitação social. O rei Carlos I foi decapitado e Cromwell implantou a República. Sentindo-se ameaçado por defender a monarquia absoluta viajou pela Europa e em França travou relações com Descartes. Na Itália visitou Pisa e conheceu Galileu.
2-Escreveu vários livros mas a sua obra de referência é o Leviathan ( Leviatã ). Hobbes foi buscar este título ao Livro de Job (40,25 e 40,26) onde se fala de um crocodilo gigantesco e aterrador que mete medo e impõe respeito. Na portada do livro Leviatã ( edição da INCM ) podemos ver uma figura composta por uma miríada de pequenos seres e que empunha na mão direita uma espada e na esquerda um báculo. Esta figura simboliza o poder absoluto ou o Estado omnipotente.
3-Thomas Hobbes é um filósofo que tem uma visão mecanicista do Universo. O conhecimento forma-se a partir do raciocínio, do cálculo, da experiência e das sensações. É um materialista no sentido de que não concebe o espírito e a alma sem um fundamento corpóreo ou material. Para Hobbes os universais, os conceitos, não passam de nomes e só existem quando ligados a uma coisa singular.
4-Para Thomas Hobbes todos os homens são iguais por natureza. Têm os mesmos direitos e gozam de plena liberdade. ( a natureza fez os homens tão iguais, quanto às faculdades do corpo e do espírito, que, embora por vezes se encontre um homem manifestamente mais forte de corpo, ou de espírito mais vivo que do que outro, mesmo assim quando se considera tudo isto em conjunto, a diferença entre um e outro homem não é suficientemente considerável para que qualquer um possa com base nela reclamar qualquer benefício a que o outro não possa igualmente aspirar ( Lev. 1ª p cap XIII )
Mas o homem é extremamente egoísta e quando duas pessoas cobiçam a mesma coisa e nenhum deles cede tornam-se inevitavelmente inimigos. E daí nasce o pessimismo que Hobbes tem em relação ao homem: o homem lobo do homem ( Homo hominis lupus ). (se dois homens desejam a mesma coisa ao mesmo tempo que é impossível ela ser gozada por ambos, eles tornam-se inimigos. E no caminho para o seu fim ( que é principalmente a sua própria conservação e às vezes o seu próprio deleite ) esforçam-se por se destruir ou subjugar um ao outro. Lev.1ªp cap XIII)
Da igualdade nasce a desconfiança e a partir daí o caminho que conduz à guerra é imparável. Para Hobbes no estado de natureza não há paz. É a guerra de todos contra todos ( bellum omnium contra omnes ) (Com isto torna-se manifesto que, durante o tempo em que os homens vivem sem um poder comum capaz de os manter a todos em respeito, eles se encontram naquela condição a que se chama guerra, é uma guerra que é de todos os homens contra todos os homens ) ( Lev 1ª p cap XIII )
A vida no estado de natureza torna-se assim insustentável. É necessário que haja normas e leis que garantam a paz e a segurança. Os homens terão que renunciar mutuamente a uma parte dos seus direitos e estabelecer um acordo ou pacto ( Que um homem concorde, quando os outros o façam e na medida em que tal se considere necessário para a paz e para a defesa de si mesmo, em renunciar ao seu direito a todas as coisas, contentando-se, em relação aos outros homens, com a mesma liberdade que aos outros homens permite em relação a si mesmo .( Lev 1ª p cap XIV)
Mas os acordos só têm eficácia se forem cumpridos ( pacta sunt servanda ) e por isso tem de haver um poder soberano e coercivo que obrigue os homens a respeitá-los ( a natureza da justiça consiste no cumprimento dos pactos válidos, mas a validade dos pactos só começa com a instituição de um poder civil suficiente para obrigar os homens a cumpri-los ( Lev 1ª p cap XV )
É de um acordo dos homens entre si transferindo direitos para um poder soberano que nasce o Estado. O acordo é sempre feito entre os interessados e não destes com o Estado. ( Um Estado foi instituído quando uma multidão de homens concorda e pactua cada um com cada um dos outros, que a qualquer homem ou assembleia de homens a quem seja atribuído pela maioria o direito de representar a pessoa de todos eles ( ou seja de ser o seu representante ) todos sem excepção, tanto os que votam a favor dele como os que votam contra ele, deverão autorizar todos os actos e decisões desse homem ou assembleia de homens, tal como se fossem os seus próprios actos ou decisões, a fim de viverem em paz uns com os outros e serem protegidos dos restantes homens( ( Lev 1ª p cap XVIII )
Com a transferência de direitos para o Estado passou-se do status naturae para o satus civilis. Os direitos ilimitados dos homens no estado de natureza passaram assim para o Estado. Deste modo criou-se um poder absoluto que poderá usar da força para conseguir a paz e a segurança ( Porque não foram os súbditos que deram ao soberano esse direito; simplesmente ao renunciarem ao seu, reforçam o uso que ele pode fazer do seu próprio, da maneira que achar melhor, para a preservação de todos eles . Lev 2ªp cap XVIII)
Para Hobbes existem 3 formas de Estado: Monarquia quando o representante é um homem só ;democracia é a assembleia de todos os que se uniram ; aristocracia é a assembleia apenas de uma parte. A forma degenerada da monarquia é a tirania e a forma degenerada da democracia é a anarquia.
Hobbes entende ainda que o Estado cristão e a Igreja são um só . ( Nesta vida o único governo que existe, seja o do Estado seja o da religião, é o governo temporal ( Lev 3ª p cap XXXIX )
Conclusão : A teoria de Hobbes defende um Estado omnipotente que gere não só a política mas também a moral e a religião. Por isso foi apreciado pelos absolutistas e pelo despotismo iluminado. O monstro bíblico ( Leviatã ) que Hobbes escolheu para título do livro significa isso mesmo- um poder supremo acima do qual só existe o poder de Deus.
Francisco José Santiago Martins
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