UM LIVRO POLÉMICO
“Último Segredo “ é o novo livro do jornalista José Rodrigues dos Santos, lançado recentemente nas livrarias. Confesso que nunca li nada deste autor. Como o tempo que tenho é limitado, e há que fazer escolhas, prefiro ler os escritores consagrados ou os clássicos da literatura universal.
O livro de JRS é ,mais do mesmo ,ou seja, uma imitação do Código da Vinci de Dan Brown. Arranja-se um tema aliciante que desperte a curiosidade e depois desenvolve-se o mesmo num clima de” suspense “ até ao fim, onde é desvendado o segredo. Vi o vídeo de apresentação na televisão e deu para perceber que é um livro onde se misturam ficção com história e em que se fazem afirmações históricas e teológicas que não correspondem à verdade. José Rodrigues dos Santos, com a certeza de quem fala “ ex cathedra “, põe em causa a autoria dos Evangelhos, as epístolas atribuídas a Paulo, João, Pedro e Tiago, o nascimento de Jesus em Belém e a Conceição virginal de Maria. Diz ainda que a Bíblia está infectada de erros e que a verdadeira identidade de Jesus não é a que a Igreja apresenta mas a que o “ Último Segredo “ revela. Das investigações que o escritor fez somos levados a concluir que os cristãos andam há muito tempo, sem o saberem, a trilhar o caminho da ignorância e da superstição. Dá-me vontade de rir quando vejo iluminados que pensam que são donos da verdade absoluta e não admitem as teses dos mais reputados investigadores e teólogos da actualidade.
Quando iniciei as minhas primeiras leituras da Bíblia, algumas passagens pareciam-me obscuras e pouco credíveis. A minha curiosidade levou-me a ler livros da especialidade e assim foi fácil perceber que a Sagrada Escritura não poderia ser interpretada à letra e os diversos textos têm de ser enquadrados no contexto histórico e cultural de cada época. A Bíblia não é nenhum compêndio de história no sentido rigoroso do termo nem nenhum tratado de ciência.
Voltando ao livro o “Último Segredo “ de JRS- o jornalista que no fim de cada telejornal pisco o olho aos telespectadores em atitude provocatória - os meus conhecimentos permitem-me dizer o seguinte :
1-Os evangelistas não foram testemunhas oculares dos acontecimentos que narram. Basearam-se na tradição oral e em pequenas frases escritas que circulavam ( perícopas ). Os evangelistas considerados canónicos pela Igreja não o foram por mera arbitrariedade ou por conveniência. A escolha foi feita com base nos seguintes critérios (e passo a citar a Bíblia dos Capuchinhos):
a-ligação directa com o grupo dos apóstolos e maior proximidade dos acontecimentos históricos ( critério apostólico );
b-inclusão de palavras e factos históricos da vida de Jesus e não apenas um d estes conteúdos ( critério literário )
c-utilização nas pregações e na liturgia da Igreja universal ( critério litúrgico )
2-Só os evangelistas Mateus e Lucas se referem ao nascimento de Jesus em Belém e à Conceição virginal de Maria. Segundo o teólogo Padre Carreira das Neves e passo a citar “ Os evangelhos da infância de Jesus ( Lc1,2 e Mat 1,2 ) apresentam uma narrativa “ midrachica “ ou seja uma narrativa “histórica “ criada pelo autor para defender uma tese doutrinal e teológica. O nascimento de Jesus em Belém poderá estar relacionado com a profecia de Miqueias que diz “ E tu Belém,… de ti sairá aquele que governará Israel. ( Mq 5,1 ) “
A verdade é que Belém só é citada nas narrativas do nascimento em Lucas e Mateus.
Quanto à conceição virginal de Maria anunciada pelo anjo ( angelofonia ) o Padre Carreira das Neves diz que estamos diante de uma construção midráchica. E acrescenta “A verdade real de Jesus, como filho de Deus-Pai, por obra do Espírito Santo, e a verdade real da sua vida humana e histórica vai ser objecto de tensão permanente entre os pais e os familiares. A fé das comunidades para quem Mateus e Lucas escrevem, a partir da Ressurreição, aceitam uma verdade, a da Conceição virginal , que Mateus e Lucas transpõem para o começo da existência de Jesus “. O Ressuscitado e Filho de Deus só pode vir directamente de Deus.” O Padre Carreira das Neves adianta ainda que a sua convicção é a de que as narrativas são fruto da fé em Jesus Cristo porque os cristãos assim acreditavam..
3-É um facto que todos os evangelistas falam nos irmãos de Jesus. Quanto a isto existem várias teorias : a ) seriam filhos naturais de Jesus e Maria ( teoria defendida por Tertuliano e Helvídio ) ; b) seriam filhos de um primeiro casamento de José, entretanto viúvo (teoria defendida por Epifânio ) ; c) seriam primos de Jesus, pois na língua hebraica “ach “ tinha um significado amplo designando também irmãos de sangue, primos e membros do mesmo clã . O mesmo se verifica na cultura árabe,indiana e africana. Esta é a teoria actualmente defendida pela Igreja.
A infância de Jesus está envolvida em mistério e nesta medida não há verdades nem certezas absolutas. Deste modo subscrevo inteiramente o que o Padre Anselmo Borges disse num texto que escreveu no Diário de Notícias : “ As teses de JRS de forma alguma abalam os pilares do cristianismo e também não agride a fé cristã o facto de Jesus ter ou não irmãos e irmãs. “
4-A Ressurreição não pertence à história empírica de Jesus. Não há testemunhas que tivessem presenciado a ressurreição no momento em que Jesus ressuscitou. O relato aconteceu mais tarde quando as mulheres e os apóstolos dão conta das experiências que tiveram com Jesus Ressuscitado. A ressurreição não é ,como alguns pensam, a reanimação de um cadáver, ou seja, voltar à vida que se tinha antes de morrer. Citando uma vez mais o Padre Carreira das Neves : “ nas narrativas da ressurreição há um ponto fundamental . Ele é o mesmo das cruz. Não é apenas um espírito e muito menos um fantasma. É Jesus em corpo e alma. Como é o seu corpo ? Ninguém sabe… ninguém o fotografou. “
5-A verdadeira identidade de Jesus é a que ficou expressa nas obras que fez e na mensagem que nos deixou. Os evangelhos dizem-nos que curou coxos, cegos, surdos e leprosos. Esteve ao lado dos pobres, marginalizados e excluídos da sociedade. Pregou o amor e o perdão. Nos evangelhos aparece apenas uma situação em que Jesus assume uma atitude mais dura: trata-se da expulsão dos vendilhões do Templo.
Não sei onde JRS quer chegar quando afirma que se Jesus estivesse entre nós seria considerado herege pela Igreja
Para terminar diria que a literatura deste género serve apenas para entreter e passar o tempo ou para confundir e baralhar. Daqui por uns anos ninguém vai ler estes livros que vão ficar esquecidos nas prateleiras. Mas se suscitar a curiosidade de saber mais sobre Jesus já não é mau.
FRANCISCO JOSÉ SANTIAGO MRTINS
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