Quarta-feira, 26 de Agosto de 2009

AS PRÓXIMAS ELEIÇÕES

 

 

1-Estamos a um mês das próximas eleições legislativas. Os partidos começam já a afinar as máquinas de propaganda. Para os cidadãos  é sempre bom conhecer o programa que cada agrupamento político vai propor ao eleitorado.  Mas nem todos têm paciência e pachorra para ler documentos quase sempre extensos e que muitas vezes não passam de pura retórica. Por analogia diria que são semelhantes à letra miudinha das cláusulas dos contratos de seguros que contêm coisas importantes mas por regra ninguém lê. De qualquer forma é muito importante conhecer as propostas que os políticos vão apresentar para resolver a crise, combater o desemprego e estimular a economia. Também para os cristãos não é despiciendo saber se um partido protege e defende a instituição familiar, promove os direitos humanos e respeita a vida durante todo o seu percurso. Muitos provavelmente questionam-se sobre as medidas que irão ser tomadas no apoio aos mais carenciados e no combate à corrupção. Será que algum partido terá a coragem de acabar com os ordenados escandalosos redistribuindo a riqueza mais equitativamente pelas camadas mais pobres da população. Por que razão os pobres não têm direito a um atendimento rápido nos serviços de saúde e têm de esperar meses ou até anos por uma intervenção cirúrgica ? Se houvesse a coragem de impor a exclusividade de funções nos serviços médicos da saúde pública talvez o atendimento se normalizasse.

Sendo poucos a folhear o programa dos partidos políticos, resta esperar pelo que os líderes vão dizer nos debates públicos da televisão e nos comícios.  Certamente não vão faltar as promessas demagógicas para agradar aos eleitores mas que depois não vão ser cumpridas. Infelizmente já todos estamos habituados a isso e não é novidade para ninguém. Para muitos a política não é um serviço público mas a arte de encher os bolsos. Esperemos que com o tempo esta mentalidade se altere para bem de todos.

 

2-Quem irá vencer as próximas eleições? É uma incógnita e as sondagens nem sempre dão certas. Há eleitores que votam ao nível da militância no partido a que pertencem. Mas é o eleitorado flutuante que normalmente decide as eleições. Feita uma avaliação, os que estão contentes com o partido que está no governo votam nele. Os outros direccionam o voto  para o agrupamento político que lhes dê a esperança de que as coisas vão mudar. Só que por vezes não é fácil uma alternativa credível. No momento actual o maior partido da oposição ( PSD ) não tem um líder carismático que entusiasme e empolgue os militantes e muito menos os que estão descontentes com a política do governo. De todo o modo há sempre que contar com os que usam o voto como retaliação ou querem mostrar o cartão vermelho como forma de alterar o “ status quo “ que não lhes agrada.  Embora estas eleições nada tenham a ver com as que se fizeram para o Parlamento Europeu, dado que está em jogo a governação do país,  mesmo assim há que ter em conta o descontentamento de algumas classes profissionais, como os professores, que em grande número participaram em greves e manifestações públicas de desagrado.

O país irá assistir com interesse aos debates televisivos para escutar  as propostas mais realistas para resolver a crise. Seria bom que um partido obtivesse a maioria ou que pelo menos houvesse um consenso ou acordo inter -partidário de forma a que o país não fique ingovernável. Sem estabilidade não poderão continuar as reformas encetadas pelo actual governo. Seria uma verdadeira catástrofe para o país ficarmos a navegar à vista sem uma política definida para o futuro. É que o nosso atraso não é apenas conjuntural mas estrutural. Numa Europa altamente competitiva é necessário planear aquilo em que nós podemos concorrer com êxito aumentando as nossas exportações. Terá que haver apoio às pequenas e médias empresas e a todos os que tenham ideias inovadoras que possibilitem o crescimento económico do país. Seria impensável e muito gravoso para todos que o Estado para fazer face às despesas correntes tivesse que aumentar os impostos. Também não me parece correcto que para diminuir as despesas se despedissem funcionários, aumentando ainda mais o desemprego que já é elevado.. Veremos o que o futuro nos reserva. Mas sem uma economia sólida não poderá haver desenvolvimento para o país, que não pode ficar para sempre prisioneiro das ajudas externas.

 

 

FRANCISCO MARTINS

publicado por pontodemira às 22:56
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Sábado, 15 de Agosto de 2009

A ENCÍCLICA SOCIAL DE BENTO XVI ( CARITAS IN VERITATE )

 

1-A última encíclica do Papa Bento XVI tem como tema central o desenvolvimento nas suas diversas vertentes : humana, económica e dos povos. Em correlação com o tema são abordados outros assuntos dos quais podemos destacar os seguintes: trabalho, religião, família, sexualidade, turismo social, bioética, aborto, planificação eugénica dos nascimentos, etc..  A encíclica é um documento extenso, escrito por um grande teólogo e filósofo e por isso a linguagem utilizada pode não ser muito clara para o comum das pessoas. A encíclica Caritas in Veritate vem na sequência de outras como a” Populorum Progressio” , à qual Bento XVI dedica um capítulo, e insere-se no que podemos designar por doutrina social da Igreja.

Para o Papa todo o desenvolvimento para ser autêntico tem de orientar-se pela ética e pelos princípios do humanismo cristão. A caridade e a Verdade do Evangelho têm de estar presentes  nos dias de hoje pois é nesta base que se poderá trabalhar pela justiça e pelo bem comum.  Por outro lado, um verdadeiro desenvolvimento implica também partilha de bens e de recursos.

No capítulo II o Papa enumera tudo aquilo que constitui um verdadeiro entrave ao desenvolvimento humano no nosso tempo: corrupção e ilegalidades nos países e ricos e também nos países pobres ; empresas transnacionais que não respeitam os direitos humanos ; crescente mobilidade dos capitais financeiros para as áreas em que se produz a baixo custo ; desregulamentação do mundo do trabalho e das redes de segurança social.

 O Papa diz ainda que o homem é o principal protogonista , o centro e o fim de toda a vida económica e social e que a melhor ajuda aos países pobres tem de começar por eliminar as causas estruturais que impedem o desenvolvimento, investindo em infra-estruturas.

 

No capítulo dedicado ou desenvolvimento económico e sociedade civil,  Bento XVI esclarece que a teria económica não é eticamente neutra nem de natureza desumana e anti-social e que a doutrina social da Igreja sempre defendeu que a justiça diz respeito a todas as fases da actividade económica. Afirma ainda que a globalização, “ a priori “ ,não é boa nem má. Será aquilo que as pessoas fizerem dela. O que é preciso é orientá-la em termos de relacionamento e de partilha.

 

Para o desenvolvimento dos povos é necessário respeitar o meio ambiente. Diz o Papa que quando a natureza, a começar pelo ser humano, é considerado um fruto do acaso ou do determinismo a noção de responsabilidade debilita-se nas consciências. Apela ainda às pessoas para reverem o seu estilo de vida, que em muitas partes do mundo pende para o hedonismo e o consumismo, sem olhar aos danos que daí derivam. Um outro aspecto a ter em conta é que os homens actuem como constituindo uma só família. A globalização deve ser orientada  pelos princípios da subsidiariedade e da solidariedade . Entende ainda que as Nações Unidas devem ser reformadas e que faz falta a criação de uma Autoridade Mundial que garanta o desarmamento, a segurança, a paz, a salvaguarda do meio ambiente e regule os fluxos migratórios.

 

Na parte final o Papa relaciona o desenvolvimento com a técnica. O desenvolvimento tecnológico pode levar as pessoas à auto-suficiência  ou absolutização da técnica. Ora, “ a razão sem fé está destinada a perder-se na ilusão da própria omnipotência, enquanto a fé sem razão corre o risco de alheamento da vida concreta das pessoas. E acrescenta ainda “ não  há desenvolvimento pleno nem bem comum universal sem o bem espiritual e moral das pessoas, consideradas na sua totalidade de alma e corpo. “

Bento XVI conclui a sua encíclica afirmando que ao serviço do desenvolvimento deve estar um humanismo cristão. O humanismo que exclui Deus é um humanismo desumano.

 

 

2-Num texto publicado no Diário de Notícias o padre e filósofo Anselmo Borges também se refere à encíclica de Bento XVI e levanta as seguintes questões:  Será possível um desenvolvimento sem limites num Mundo limitado ?  Não é verdade que se torna cada vez mais claro que o trabalho se tornou definitivamente um bem escasso e que é preciso partilhá-lo, com todas as consequências ? Questiona ainda o que acontecerá se os três mil milhões de chineses e indianos quiserem e obtiverem os padrões de vida e consumo ocidentais.

Estas questões dão que pensar e obrigam-nos a reflectir sobre  problemas reais como a moderação do consumo, a mudança de estilo de vida e a partilha do trabalho. Naturalmente que é  preciso que uns consumam menos para que outros tenham tenham um modo de vida decente. É também necessário que as grandes empresas e as multinacionais não sacrifiquem postos de trabalho para obterem mais lucros. Os bens do planeta Terra foram criados por Deus para serviço e proveito de todos os homens e não de alguns privilegiados. Se a humanidade compreendesse isto o mundo seria bem melhor.

 

 

FRANCISCO MARTINS

 

publicado por pontodemira às 10:49
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Terça-feira, 11 de Agosto de 2009

TRNCOSO: A CONSAGRAÇÃO DE UM HERÓI

 

A História de Trancoso é rica em acontecimentos e em personagens que deixaram obra feita na escrita, nas leis e até na pintura. A título de exemplo podemos citar o Padre João de Lucena ( século XVI) , que escreveu a História da Vida do Pe Francisco Xavier ; Gonçalo Fernandes  Trancoso  ( século XVI ) autor do livro Contos e História de Proveito e Exemplo; e o trovador Bandarra, figura carismática, que a história ligou ao sebastianismo e à restauração do reino de Portugal. Na pintura é bem conhecida a pintora Eduarda Lapa que deixou quadros de inegável beleza.

 

Mas todos estes vultos foram ofuscados pelo aparecimento de uma nova estrela - o Padre Costa -  que um investigador de Trancoso desenterrou das gavetas da Torre do Tombo. Essa personagem obscura e aviltante há muito que era conhecida, só que ninguém lhe ligou importância. Mas, com este investigador da Câmara de Trancoso ganhou foros de grande figura.

 

O programa da RTP 1 “ Verão Total “ deu-lhe especial destaque, mostrando em directo a casa onde se supõe ter vivido o dito padre  ( na opinião fantasiosa do referido investigador ). E para o cenário ser perfeito até se arranjou um grupo de crianças que encheu por completo a escada  da casa, talvez para exemplificar que eram assim, muitos , os filhos do referido padre. No fim todas elas acenaram para a câmara de televisão quando o repórter para terminar  concluiu com a estafada frase : “ Toma lá mais cinco que é nacional “

 

Será que o Pe. Costa é  mesmo uma figura emblemática para os trancosenses ? Será que os trancosenses se sentem bem quando alguém elege ,como ídolo, um homem destes ?  Pessoalmente penso que  aquilo que pode honrar os trancosenses são os “ feitos valorosos “ dos seus antepassados e não a desvergonha , a desfaçatez e a depravação.

 

Para culminar toda esta onda de entusiasmo só falta encomendar a um escultor uma estátua para este herói.  O que mais me surpreende é que a Câmara Municipal de Trancoso tenha vindo, até ao momento, a colaborar nesta autêntica palhaçada.

 

 

FRANCICO MARTINS

 

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Terça-feira, 4 de Agosto de 2009

UTOPIA (S)

1-Utopia é uma palavra muito utilizada em política e que muitas vezes se refere a algo inatingível ou difícil de concretizar. É provável que poucas pessoas saibam que esta expressão é da autoria de Tomás Morus, político inglês que nasceu em Londres em 1478 e morreu em 1535. Formado em direito chegou a chanceler do rei Henrique VIII. Era amigo de Erasmo que lhe dedicou o livro  “ O Elogio da Loucura “. Foi um grande humanista e um católico que nas situações mais difíceis deu sempre testemunho da sua fé. Por se ter oposto ao divórcio de Henrique VIII e ao cisma com a Igreja Católica, acabou por ser decapitado . Em 1935 viria a ser canonizado como santo pela Igreja Católica.

Tomás Morus escreveu o livro “ Utopia que vem a ser publicado em latim em 1516, no tempo em que governava em Portugal D.Manuel I. A palavra utopia tem origem no grego. Decompondo a palavra temos : Ou ( não ) topus ( lugar ). Esta expressão quer simplesmente dizer : lugar que não existe em lado nenhum.. O livro compõe-se de duas partes. Na primeira Rafael Hitloideu ( navegador português) faz um retrato da sociedade do seu tempo tanto na Inglaterra como nos principais países europeus. Critica de forma implacável “ um grande número de nobres que, não satisfeitos com a sua própria ociosidade, vivem preguiçosamente, como zângãos, do trabalho dos rendeiros “ ( 1-Utopia –Europa América ,p.28). Os ladrões pululam um pouco por todo o lado.E as causas são várias : a guerra é uma delas mas não é a principal. Pior do que isso são “ os nobres, os ricos e mesmo certos reverendos padres, santos homens, sem dúvida, não só se não contentam com os rendimentos anuais, que, desde os seus antepassados sugam das terras, insatisfeitos com a sua vida ociosa e cheia de prazeres, que em nada aproveita ao bem comum, como roubam todo o espaço arável para o converterem em pastagens, rodeando-o de cercas e deitam abaixo casas e aldeias deixando apenas a igreja para servir de curral aos carneiros “ ( p 31 ). E mais adiante recrimina “ os pregadores hábeis e sinuosos, que…vendo os homens pouco dispostos a conformarem os seus costumes à doutrina cristã, torceram e vergaram o Evangelho, como se fora uma régua de chumbo, e moldaram-no aos costumes dos homens com o fim de , ao menos deste modo, terem um ponto em comum. Não vejo qualquer resultado, excepto o ter dado segurança e estabilidade ao próprio mal “ ( p 55 ).  Rafael faz assim uma crítica dura aos poderosos do seu tempo para finalmente apontar a propriedade privada e o dinheiro como fonte e origem de todos estes males.

Como Tomás Morus não acredita neste diagnóstico, Rafael, para o convencer, passa a apontar o que viu na ilha Utopia.  Esta ilha é constituída por 54 cidades sendo a maior de todas Amaurota que é a capital. Por ela passa o rio Anidro ( rio sem água ). Toda a gente vive na mais completa harmonia. As casas são atribuídas por um período de 10 anos. Tal como Platão na República, no qual Morus se inspira , a vida é comunitária: as refeições são tomadas em comum e o vestuário tem a mesma forma para todos. De uma maneira geral não é permitida a ociosidade. O horário de trabalho é de 6 horas por dia. Embora a prática da agricultura seja comum a todos, cada indivíduo tem de aprender um ofício específico. O dinheiro não é utilizado nas transacções. A característica dominante da actividade política e administrativa é a eleição dos magistrados pelas famílias.

E como é a vida na Utopia ?  Viver conforme a natureza. “ O homem que segue o curso da natureza é aquele que se orienta pela razão nos seus apetites e desprezos “ (p 91 ) E mais à frente diz “ os utopistas vivem em paz e amizade uns com os outros “ (p 109 ) O próprio príncipe não se distingue das outras cidades pelo vestuário principesco . As insígnias do bispo limitam-se a um pequeno círio que ostentam e pelo qual os fiéis o reconhecem “ ( p 110 ). Os utopistas nunca fazem a guerra. Na religião praticam a tolerância. Rafael diz que “ aqueles que não aceitam a religião cristã não se opõem a ela nem maltratam os convertidos. Uma das leis mais antigas ordena que ninguém seja censurado pela religião que professa “ ( p 126 ) E vai mais longe quando refere que “ os templos não são reservados a um só culto, mas de todas as crenças dos cidadãos que, embora variadas, concorrem para o mesmo fim, a glorificação da Natureza divina “ (p 133)

Por aqui podemos ver que Tomás Morus é um homem adiantado para a sua época, pois a sua proposta revela uma aproximação ecuménica das várias religiões.  Rafael quase no fim do seu discurso esclarece que na utopia não há pobres ou mendigos. Embora ninguém possua coisa alguma, todos são ricos. Finalmente Tomás Morus tem o seguinte desabafo: “ tenho de confessar que há , na república da Utopia, muita coisa que eu desejaria para os nossos países, embora o meu anseio ultrapasse a esperança de o conseguir, “ ( p 140 )

 

2-Será que nos dias de hoje há lugar para as utopias ? Será utopia pensar que é possível pôr termo à fome, à miséria e à pobreza no mundo ? Dizem os entendidos que o planeta Terra tem recursos suficientes para alimentar todos os povos e se há fome é porque não são tomadas as medidas necessárias para pôr termo a este flagelo. Será um sonho pensar que é possível viver em paz e acabar com a guerra que destrói muitos países levando a população à miséria e à intranquilidade ? O homem não é como pensava Hobbes, naturalmente mau ( Homo hominis lúpus- homem lobo do homem ). O voluntariado, as associações filantrópicas e humanitárias, os missionários, provam que é possível construir um mundo melhor.  Enquanto os Estados teocráticos não puserem de lado o seu fundamentalismo religioso e pensarem que há um só Deus que nos une a todos, não é possível construir a paz.  Será que é  ilusório pensar numa sociedade mais justa e equitativa que faça uma correcta distribuição da riqueza nacional ? Será que pela solidariedade e pela partilha de todos não será possível combater os casos de miséria extrema ?

 

O livro de Tomás Morus é actual e pode ajudar-nos a reflectir sobre questões que são de sempre. É verdade que não é pela socialização dos meios de produção que as coisas se resolvem. Mas o Estado tem um papel importante a desempenhar intervindo quando é necessário, regulando a economia e combatendo a corrupção.

 

1-Todas as citações foram extraídas do livro  de bolso ,Utopia,Publicações –América

 

FRANCISCO MARTINS

 

 

publicado por pontodemira às 19:50
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1-Utopia é uma palavra muito utilizada em política e que muitas vezes se refere a algo inatingível ou difícil de concretizar. É provável que poucas pessoas saibam que esta expressão é da autoria de Tomás Morus, político inglês que nasceu em Londres em 1478 e morreu em 1535. Formado em direito chegou a chanceler do rei Henrique VIII. Era amigo de Erasmo que lhe dedicou o livro  “ O Elogio da Loucura “. Foi um grande humanista e um católico que nas situações mais difíceis deu sempre testemunho da sua fé. Por se ter oposto ao divórcio de Henrique VIII e ao cisma com a Igreja Católica, acabou por ser decapitado . Em 1935 viria a ser canonizado como santo pela Igreja Católica.

Tomás Morus escreveu o livro “ Utopia que vem a ser publicado em latim em 1516, no tempo em que governava em Portugal D.Manuel I. A palavra utopia tem origem no grego. Decompondo a palavra temos : Ou ( não ) topus ( lugar ). Esta expressão quer simplesmente dizer : lugar que não existe em lado nenhum.. O livro compõe-se de duas partes. Na primeira Rafael Hitloideu ( navegador português) faz um retrato da sociedade do seu tempo tanto na Inglaterra como nos principais países europeus. Critica de forma implacável “ um grande número de nobres que, não satisfeitos com a sua própria ociosidade, vivem preguiçosamente, como zângãos, do trabalho dos rendeiros “ ( 1-Utopia –Europa América ,p.28). Os ladrões pululam um pouco por todo o lado.E as causas são várias : a guerra é uma delas mas não é a principal. Pior do que isso são “ os nobres, os ricos e mesmo certos reverendos padres, santos homens, sem dúvida, não só se não contentam com os rendimentos anuais, que, desde os seus antepassados sugam das terras, insatisfeitos com a sua vida ociosa e cheia de prazeres, que em nada aproveita ao bem comum, como roubam todo o espaço arável para o converterem em pastagens, rodeando-o de cercas e deitam abaixo casas e aldeias deixando apenas a igreja para servir de curral aos carneiros “ ( p 31 ). E mais adiante recrimina “ os pregadores hábeis e sinuosos, que…vendo os homens pouco dispostos a conformarem os seus costumes à doutrina cristã, torceram e vergaram o Evangelho, como se fora uma régua de chumbo, e moldaram-no aos costumes dos homens com o fim de , ao menos deste modo, terem um ponto em comum. Não vejo qualquer resultado, excepto o ter dado segurança e estabilidade ao próprio mal “ ( p 55 ).  Rafael faz assim uma crítica dura aos poderosos do seu tempo para finalmente apontar a propriedade privada e o dinheiro como fonte e origem de todos estes males.

Como Tomás Morus não acredita neste diagnóstico, Rafael, para o convencer, passa a apontar o que viu na ilha Utopia.  Esta ilha é constituída por 54 cidades sendo a maior de todas Amaurota que é a capital. Por ela passa o rio Anidro ( rio sem água ). Toda a gente vive na mais completa harmonia. As casas são atribuídas por um período de 10 anos. Tal como Platão na República, no qual Morus se inspira , a vida é comunitária: as refeições são tomadas em comum e o vestuário tem a mesma forma para todos. De uma maneira geral não é permitida a ociosidade. O horário de trabalho é de 6 horas por dia. Embora a prática da agricultura seja comum a todos, cada indivíduo tem de aprender um ofício específico. O dinheiro não é utilizado nas transacções. A característica dominante da actividade política e administrativa é a eleição dos magistrados pelas famílias.

E como é a vida na Utopia ?  Viver conforme a natureza. “ O homem que segue o curso da natureza é aquele que se orienta pela razão nos seus apetites e desprezos “ (p 91 ) E mais à frente diz “ os utopistas vivem em paz e amizade uns com os outros “ (p 109 ) O próprio príncipe não se distingue das outras cidades pelo vestuário principesco . As insígnias do bispo limitam-se a um pequeno círio que ostentam e pelo qual os fiéis o reconhecem “ ( p 110 ). Os utopistas nunca fazem a guerra. Na religião praticam a tolerância. Rafael diz que “ aqueles que não aceitam a religião cristã não se opõem a ela nem maltratam os convertidos. Uma das leis mais antigas ordena que ninguém seja censurado pela religião que professa “ ( p 126 ) E vai mais longe quando refere que “ os templos não são reservados a um só culto, mas de todas as crenças dos cidadãos que, embora variadas, concorrem para o mesmo fim, a glorificação da Natureza divina “ (p 133)

Por aqui podemos ver que Tomás Morus é um homem adiantado para a sua época, pois a sua proposta revela uma aproximação ecuménica das várias religiões.  Rafael quase no fim do seu discurso esclarece que na utopia não há pobres ou mendigos. Embora ninguém possua coisa alguma, todos são ricos. Finalmente Tomás Morus tem o seguinte desabafo: “ tenho de confessar que há , na república da Utopia, muita coisa que eu desejaria para os nossos países, embora o meu anseio ultrapasse a esperança de o conseguir, “ ( p 140 )

 

2-Será que nos dias de hoje há lugar para as utopias ? Será utopia pensar que é possível pôr termo à fome, à miséria e à pobreza no mundo ? Dizem os entendidos que o planeta Terra tem recursos suficientes para alimentar todos os povos e se há fome é porque não são tomadas as medidas necessárias para pôr termo a este flagelo. Será um sonho pensar que é possível viver em paz e acabar com a guerra que destrói muitos países levando a população à miséria e à intranquilidade ? O homem não é como pensava Hobbes, naturalmente mau ( Homo hominis lúpus- homem lobo do homem ). O voluntariado, as associações filantrópicas e humanitárias, os missionários, provam que é possível construir um mundo melhor.  Enquanto os Estados teocráticos não puserem de lado o seu fundamentalismo religioso e pensarem que há um só Deus que nos une a todos, não é possível construir a paz.  Será que é  ilusório pensar numa sociedade mais justa e equitativa que faça uma correcta distribuição da riqueza nacional ? Será que pela solidariedade e pela partilha de todos não será possível combater os casos de miséria extrema ?

 

O livro de Tomás Morus é actual e pode ajudar-nos a reflectir sobre questões que são de sempre. É verdade que não é pela socialização dos meios de produção que as coisas se resolvem. Mas o Estado tem um papel importante a desempenhar intervindo quando é necessário, regulando a economia e combatendo a corrupção.

 

1-Todas as citações foram extraídas do livro  de bolso ,Utopia,Publicações –América

 

FRANCISCO MARTINS

 

 

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