Quarta-feira, 19 de Novembro de 2008

O MISTÉRIO DE DEUS

 

 

1-Um conhecido colunista de um jornal diário referia o facto insólito de um senador do Nebraska ,nos E.U, ter movido um processo crime contra Deus, acusando-o de ser responsável por milhões de mortes, catástrofes naturais, inundações, furacões, tornados, etc…Acusava ainda Deus de provocar pragas pestilentas, fomes e secas devastadoras. O colunista, ateu confesso, dizia ironicamente, que, nestes casos, a responsabilidade não se devia atribuir a Deus mas aos homens, pois são estes que constantemente desafiam a Natureza e põem em risco o equilíbrio ecológico. Esta é uma verdade com a qual qualquer pessoa sensata concorda.

 

2-O sofrimento e o mal no Mundo leva-me a tecer algumas considerações, uma vez que é  um tema sobre o qual muitas pessoas se questionam. Como é que os filósofos e algumas religiões vêem o sofrimento ?  Há quem seja indiferente ao sofrimento e também quem o procure como forma de catarse ou de purificação espiritual. Para a corrente filosófica estóica o sofrimento, a dor e  a morte são absolutamente determinados pela ordem e pela lei da Natureza e é impossível e fugir a eles. A felicidade do homem está em viver segundo a razão e em não se preocupar com o sofrimento. Para os budistas só evitamos o sofrimento se nos libertarmos do mundo exterior e dos nossos desejos. A paz  e a tranquilidade ( Nirvana ) obtém-se pela contemplação e pela meditação. Os hinduístas entendem que os homens só conseguem escapar às reencarnações e à Lei do carma ( balanço no final da vida, das acções boas e más ) através da ligação à força Universal ( Brahman divino ). A separação do divino ( Absoluto) é que provoca todo o sofrimento. Para os judeus o sofrimento era um castigo de Deus que aceitavam naturalmente e que levava muitas vezes à reflexão e à mudança

de vida. O islamismo também vê o sofrimento como um possível castigo de Deus em relação ao qual não há nada a fazer. A norma é a da aceitação da vontade de Deus.

 

3-Os crentes e por vezes os não crentes não compreendem por que é que Deus permite o sofrimento. O raciocínio assenta na velha questão: Se Deus é omnipotente então não é bom porque permite o sofrimento; se é bom não é omnipotente porque não consegue eliminar o sofrimento. O filósofo Leibniz na sua Teodiceia ( justificação de Deus ) diz que tudo tem uma razão suficiente, uma explicação. Deus quando criou o Universo ponderou todas as hipóteses e escolheu a melhor. Por isso vivemos no melhor dos  mundos possíveis. Voltaire no livro Cândido aborda o terramoto de Lisboa de 1755 para ridicularizar Leibniz. Assim,perante a morte e a desolação provocada pela catástrofe, Pangloss como consolo dizia:« tudo isto é o que há de melhor; porque se existe um vulcão em Lisboa, não podia estar noutra parte; porque é impossível que as coisas não estejam onde estão ; porque tudo está bem. » E mais tarde quando Pangloss cai nas garras da Inquisição e é enforcado, Cândido, aterrado comentava de si para si :« Se este é o melhor dos mundos possíveis, como serão os outros ? »

Para a corrente gnóstica, nos primeiros séculos do cristianismo, o mundo e a matéria são maus e foram criados por um deus intermédio ( demiurgo ) O homem só pela ascese e pela iniciação esotérica se libertaria do corpo  ( soma ) para chegar ao verdadeiro deus ( Pneuma). A corrente designada por monaquismo que surgiu no século IV leva as pessoas a fugir ao mundo, não por este ser mau em si mas para permitir a meditação e uma maior aproximação de Deus. É, digamos, uma reacção à mundanização da Igreja e às relações promíscuas com o Império, a partir de Constantino.

 

4-A Teodiceia de Leibniz conduz-nos a uma outra questão que é a de saber se o sofrimento tem alguma explicação. É muito difícil argumentar sobre uma matéria tão complexa, a não ser através de hipóteses em relação às quais haja uma certa racionalidade. Aqui, vou servir-me de teses de especialistas na matéria. O psicólogo Richard Swinburne ,professor de Filosofia da Religião da Universidade de Oxford ( 1), divide o sofrimento e o mal em dois grupos : o mal moral e o mal natural. Por mal moral entende-se o que é causado deliberadamente por seres humanos ou constituído por faltas negligentes: tratamentos desumanos, agressões físicas, injúrias, fome existente em muitos países pobres e que podia ser evitada; o mal natural inclui o que não é causado deliberadamente por seres humanos ao fazer o que não deviam: desastres naturais, doenças, acidentes,etc..

No que diz respeito ao mal moral há uma hipótese de peso que devemos ter em conta. Deus possivelmente quis criar seres humanos dotados de livre arbítrio, capazes de fazer o bem e também o mal. De contrário seríamos marionnettes, meros autómatos comandados por um “ deus ex machina “. O maior dom do homem é a possibilidade de distinguir  o bem do mal e de ser inteiramente livre quando age.

Quanto ao sofrimento provocado por causas naturais, a situação é mais difícil de explicar. Neste caso inclino-me para a hipótese sugerida pelo professor de teologia da Universidade de Oxford , Keit Ward ( 2 ) que passo a citar: “ Uma grande parte do problema está, creio eu, no que se chamou a “ falácia da omnipotência “. Pensamos em Deus como detentor de poder ilimitado, de modo a que  Deus pudesse criar qualquer mundo logicamente possível, qualquer mundo que pudéssemos descrever sem autocontradição”  E mais à frente acrescenta : “Falando sem rodeios, Deus não poderia criar-nos num Universo melhor, ou num Universo com menos possibilidades de sofrermos nele. A escolha de Deus não é entre criar-nos neste Universo ou num outro melhor. Não existiríamos num Universo melhor .”

 

5-Como é que nós cristãos devemos encarar o sofrimento. Sabemos que a doença e a morte são inevitáveis porque somos seres finitos e limitados. Depois temos o exemplo de Jesus que ,sendo Deus, não se eximiu ao sofrimento e morreu na cruz por Amor dos homens. Também Jesus perante  a dor reagiu com qualquer sofredor, reclamando a ajuda de Deus: Pai se é possível afasta de mim este cálice ; ou sentindo-se só e abandonado, clama : “ Meu Deus , meu Deus porque me abandonaste “. Mas o maior consolo perante o sofrimento é que Jesus vence a morte e ressuscita. Assim, também nós ,crentes, sabemos que por mais amargurada que tenha sido a nossa existência há sempre a esperança de uma vida de felicidade ilimitada.

Um outro exemplo que devemos ter por modelo é o de Job. Apesar de ser um homem justo e bom não há mal que não lhe aconteça: perde todos os bens, os filhos e é atingido pela lepra maligna. Job sente-se abandonado e diz: «se eu for a oriente Ele não está lá; e se for ao ocidente não o encontrarei; se o procuro no norte, não o vejo; se me volto para o meio dia não o descubro. »  Mais adiante invectiva e censura Deus quando afirma: «Ele exterminou tanto o inocente como o malvado. Ele riu-se do desespero dos inocentes. »

Finalmente quando Deus lhe lembra todas as maravilhas da criação, Job cai em si e arrependido diz: « Os meus ouvidos tinham ouvido falar de ti, mas agora vêem-te os meus olhos. Por isso retracto-me e faço penitência, cobrindo-me de pó e de cinza»

Para terminar nada melhor do que transcrever as palavras  do beneditino Anselm Grun (3):« Na incompreensibilidade do sofrimento, o melhor é entregarmo-nos cada vez mais ao Deus incompreensível. Não nos resta outra possibilidade que não a de nos entregarmos ao Deus completamente diferente e reconhecer que Ele não tem que se justificar perante qualquer instância humana ».

 

1-Richard Swinburne, Será que Deus existe-Gradiva

2-Keith Ward,Deus Fé e o Novo Milénio-Europa –América

3-Anselm Grun,Que fiz eu para merecer isto?-Paulinas

 

Francisco Martins

 

publicado por pontodemira às 20:06
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