1-Um conhecido colunista de um jornal diário referia o facto insólito de um senador do Nebraska ,nos E.U, ter movido um processo crime contra Deus, acusando-o de ser responsável por milhões de mortes, catástrofes naturais, inundações, furacões, tornados, etc…Acusava ainda Deus de provocar pragas pestilentas, fomes e secas devastadoras. O colunista, ateu confesso, dizia ironicamente, que, nestes casos, a responsabilidade não se devia atribuir a Deus mas aos homens, pois são estes que constantemente desafiam a Natureza e põem em risco o equilíbrio ecológico. Esta é uma verdade com a qual qualquer pessoa sensata concorda.
2-O sofrimento e o mal no Mundo leva-me a tecer algumas considerações, uma vez que é um tema sobre o qual muitas pessoas se questionam. Como é que os filósofos e algumas religiões vêem o sofrimento ? Há quem seja indiferente ao sofrimento e também quem o procure como forma de catarse ou de purificação espiritual. Para a corrente filosófica estóica o sofrimento, a dor e a morte são absolutamente determinados pela ordem e pela lei da Natureza e é impossível e fugir a eles. A felicidade do homem está em viver segundo a razão e em não se preocupar com o sofrimento. Para os budistas só evitamos o sofrimento se nos libertarmos do mundo exterior e dos nossos desejos. A paz e a tranquilidade ( Nirvana ) obtém-se pela contemplação e pela meditação. Os hinduístas entendem que os homens só conseguem escapar às reencarnações e à Lei do carma ( balanço no final da vida, das acções boas e más ) através da ligação à força Universal ( Brahman divino ). A separação do divino ( Absoluto) é que provoca todo o sofrimento. Para os judeus o sofrimento era um castigo de Deus que aceitavam naturalmente e que levava muitas vezes à reflexão e à mudança
de vida. O islamismo também vê o sofrimento como um possível castigo de Deus em relação ao qual não há nada a fazer. A norma é a da aceitação da vontade de Deus.
3-Os crentes e por vezes os não crentes não compreendem por que é que Deus permite o sofrimento. O raciocínio assenta na velha questão: Se Deus é omnipotente então não é bom porque permite o sofrimento; se é bom não é omnipotente porque não consegue eliminar o sofrimento. O filósofo Leibniz na sua Teodiceia ( justificação de Deus ) diz que tudo tem uma razão suficiente, uma explicação. Deus quando criou o Universo ponderou todas as hipóteses e escolheu a melhor. Por isso vivemos no melhor dos mundos possíveis. Voltaire no livro Cândido aborda o terramoto de Lisboa de 1755 para ridicularizar Leibniz. Assim,perante a morte e a desolação provocada pela catástrofe, Pangloss como consolo dizia:« tudo isto é o que há de melhor; porque se existe um vulcão em Lisboa, não podia estar noutra parte; porque é impossível que as coisas não estejam onde estão ; porque tudo está bem. » E mais tarde quando Pangloss cai nas garras da Inquisição e é enforcado, Cândido, aterrado comentava de si para si :« Se este é o melhor dos mundos possíveis, como serão os outros ? »
Para a corrente gnóstica, nos primeiros séculos do cristianismo, o mundo e a matéria são maus e foram criados por um deus intermédio ( demiurgo ) O homem só pela ascese e pela iniciação esotérica se libertaria do corpo ( soma ) para chegar ao verdadeiro deus ( Pneuma). A corrente designada por monaquismo que surgiu no século IV leva as pessoas a fugir ao mundo, não por este ser mau em si mas para permitir a meditação e uma maior aproximação de Deus. É, digamos, uma reacção à mundanização da Igreja e às relações promíscuas com o Império, a partir de Constantino.
4-A Teodiceia de Leibniz conduz-nos a uma outra questão que é a de saber se o sofrimento tem alguma explicação. É muito difícil argumentar sobre uma matéria tão complexa, a não ser através de hipóteses em relação às quais haja uma certa racionalidade. Aqui, vou servir-me de teses de especialistas na matéria. O psicólogo Richard Swinburne ,professor de Filosofia da Religião da Universidade de Oxford ( 1), divide o sofrimento e o mal em dois grupos : o mal moral e o mal natural. Por mal moral entende-se o que é causado deliberadamente por seres humanos ou constituído por faltas negligentes: tratamentos desumanos, agressões físicas, injúrias, fome existente em muitos países pobres e que podia ser evitada; o mal natural inclui o que não é causado deliberadamente por seres humanos ao fazer o que não deviam: desastres naturais, doenças, acidentes,etc..
No que diz respeito ao mal moral há uma hipótese de peso que devemos ter
Quanto ao sofrimento provocado por causas naturais, a situação é mais difícil de explicar. Neste caso inclino-me para a hipótese sugerida pelo professor de teologia da Universidade de Oxford , Keit Ward ( 2 ) que passo a citar: “ Uma grande parte do problema está, creio eu, no que se chamou a “ falácia da omnipotência “. Pensamos em Deus como detentor de poder ilimitado, de modo a que Deus pudesse criar qualquer mundo logicamente possível, qualquer mundo que pudéssemos descrever sem autocontradição” E mais à frente acrescenta : “Falando sem rodeios, Deus não poderia criar-nos num Universo melhor, ou num Universo com menos possibilidades de sofrermos nele. A escolha de Deus não é entre criar-nos neste Universo ou num outro melhor. Não existiríamos num Universo melhor .”
5-Como é que nós cristãos devemos encarar o sofrimento. Sabemos que a doença e a morte são inevitáveis porque somos seres finitos e limitados. Depois temos o exemplo de Jesus que ,sendo Deus, não se eximiu ao sofrimento e morreu na cruz por Amor dos homens. Também Jesus perante a dor reagiu com qualquer sofredor, reclamando a ajuda de Deus: Pai se é possível afasta de mim este cálice ; ou sentindo-se só e abandonado, clama : “ Meu Deus , meu Deus porque me abandonaste “. Mas o maior consolo perante o sofrimento é que Jesus vence a morte e ressuscita. Assim, também nós ,crentes, sabemos que por mais amargurada que tenha sido a nossa existência há sempre a esperança de uma vida de felicidade ilimitada.
Um outro exemplo que devemos ter por modelo é o de Job. Apesar de ser um homem justo e bom não há mal que não lhe aconteça: perde todos os bens, os filhos e é atingido pela lepra maligna. Job sente-se abandonado e diz: «se eu for a oriente Ele não está lá; e se for ao ocidente não o encontrarei; se o procuro no norte, não o vejo; se me volto para o meio dia não o descubro. » Mais adiante invectiva e censura Deus quando afirma: «Ele exterminou tanto o inocente como o malvado. Ele riu-se do desespero dos inocentes. »
Finalmente quando Deus lhe lembra todas as maravilhas da criação, Job cai em si e arrependido diz: « Os meus ouvidos tinham ouvido falar de ti, mas agora vêem-te os meus olhos. Por isso retracto-me e faço penitência, cobrindo-me de pó e de cinza»
Para terminar nada melhor do que transcrever as palavras do beneditino Anselm Grun (3):« Na incompreensibilidade do sofrimento, o melhor é entregarmo-nos cada vez mais ao Deus incompreensível. Não nos resta outra possibilidade que não a de nos entregarmos ao Deus completamente diferente e reconhecer que Ele não tem que se justificar perante qualquer instância humana ».
1-Richard Swinburne, Será que Deus existe-Gradiva
2-Keith Ward,Deus Fé e o Novo Milénio-Europa –América
3-Anselm Grun,Que fiz eu para merecer isto?-Paulinas
Francisco Martins
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